Texto de entrevista da revista Graciliano

Resolvi publicar este texto com as perguntas e resposta de uma entrevista que foi publicada na Revista Graciliano. Maceio/AL.

– Regina, você é fundadora da ONG Ideário, que já realizou muitos trabalhos na área de cinema. Em 2010, você concedeu uma entrevista para o portal Produção Cultural na qual dizia que queria se afastar da ONG para se dedicar a outros projetos. Eles incluíam uma imersão no cinema?

No momento daquela  entrevista eu tinha saído da presidência, e outras pessoas estavam mais atuantes na Ideário. Eu morava no Rio de Janeiro, num trabalho vinculado ao Programa Olhar Brasil,  acompanhando os  NPDs (Núcleo de Produção Digital) de todo o pais. Mas  naquela fase  eu queria  era mais tempo para a minha vida pessoal  e  passei por processos  intensos de inquietação existencial. E bem mais que  cinema  ou qualquer outro trabalho, eu quis refletir sobre a minha vida.  Quis evitar de ser engolida pela agonia da falta de tempo,  pelo  excesso de trabalho e de informações, pelas relações tortas que vão se dando no meio do caminho. E foi um processo necessário, um tempo de reconstrução. 

– Como é hoje sua ligação com a Ideário? A ONG continua trabalhando com cinema?
 Atualmente não estou mais com a  dedicação intensa que tinha pela Ideário como antes. Até  2008, através da  ideário, eu e Hermano realizamos  muitos projetos. O resultado é bem consistente pois  temos  diversos filmes e  livros produzidos,  e outros projetos , mas era um ritmo muito frenético que pretendo evitar. Agora que já voltei a morar em Maceió estou envolvida na ideário, mas também com outros projetos de produção editorial pela Manguaba produções.   Hoje,  algumas ações na Ideário se mantém,  como  o cineclube Ideário que tem uma equipe bem dedicada. Há  projetos de documentários  que em  breve estaremos filmando, onde estou inserida.  Ou seja,  a cena continua, é certo,  com uma quantidade menor de projetos, mas com a mesma preocupação em se fazer bem feito.         

 – Quando e como foram suas primeiras experiências com o cinema? E como se deu a sua permanência no setor? Quais as maiores dificuldades enfrentadas até aqui?

No começo da  década de 1990 eu  morava em Recife, cheguei a fazer curso  de roteiro audiovisual,   mas  a minha dedicação  era na área de  literatura. No ano de  1998,  já morando em Maceió,   conheci Hermano Figueiredo,  com quem me casei e o mundo do cinema entrou na minha vida e na minha casa.  Hermano  trouxe na  bagagem  a sua experiência cineclubista, trouxe  produção de  filmes já iniciados.   A área de  serviço de nosso apartamento ficou lotado com rolos de filmes e de projetores 16mm. Toda a minha vida ficou contagiada pelo vírus do audiovisual.  

As realizações dos projetos  de cinema itinerante da Ideário (como o Acenda uma vela, o Cine jangada, o Olhar e ver), foram bem importantes para minha formação também.  Eu tenho orgulho de ter junto com Hermano começado toda esta história,  apostando   na democratização da cultura em Alagoas.

 Uma  dificuldade além da escassez de recursos,   é  a hierarquia  no audiovisual, em especial no set de filmagens, onde há estabelecida uma relação de poder que exige muita energia e  nem sempre as relações humanas são   lúcidas. Na produção audiovisual rola muito o mito de que o diretor tem que  gritar muito e ser muito estrela;  produtor é  muito estressado e fica somente apagando incêndios. Mas na minha opinião   cada pessoa  no set tem que ser muito profissional. O produtor junto com o diretor tem que definir, planejar e providenciar  cada coisa  com antecedência  para  evitar tantos gritos e stress, embora seja inevitável que aconteçam algumas correrias e stress.  Mas  há uma coisa meio irracional que dependendo do perfil da equipe pode ser bem desagradável.       

– Quais suas principais referências no cinema, aquelas que o inspiram em seus trabalhos?

Nunca consegui montar a lista dos 10 filmes,   e se eu tentasse,  estaria  sempre revisando a lista.  O mais importante  foram alguns eventos que favoreceram a minha relação como o cinema. Eu, na infância morava em  Arapiraca,  o meu pai era uma espécie de gerente,  e porteiro  do cinema. E  junto com minhas irmãs, íamos  toda semana  ao cinema.   Na juventude passei muitos anos morando  em Recife e lá eu  frequentava sessões de arte, como do Teatro do Parque  onde também  vi muitos filmes, e desta época as referências são as mais importantes.  Depois com a Ideário,  vi muitos filmes,  frequentei muitas mostras e festivais. Depois fui morar no  Rio de Janeiro,  e  mais referências e mais experiências. Não cabe aqui explicar este ou aquele filme.

– “Um vestido para Lia”, filme que você escreveu, já foi premiado três vezes. Ele ainda continua na estrada, com outras boas perspectivas?

 “UM VESTIDO PARA LIA”  vem tendo uma boa presença nos circuitos nacionais, desde 2011 vem sendo  exibido  na TV Brasil,  na janela curta criança.  No final de 2011 foi incluído no acervo da Programadora Brasil, (Programa 249 – Curta criança) garantindo a presença alagoana  nessa central de acesso ao cinema brasileiro, instituída pelo Ministério da Cultura e  que disponibiliza filmes para cineclubes , e outras instituições de todo o país. O filme foi selecionado para o Prêmio Brasil de Cinema Infantil. O programa Mostra Teen, no qual está sendo exibido, e está fazendo  parte da programação comemorativa do 10º Festival Internacional de Cinema Infantil – FICI 2012, que acontece de 24 de agosto a 18 de novembro em 10 cidades brasileiras (Rio de Janeiro, Niterói, São Paulo, Campinas, Santos, Brasília, Belo Horizonte, Aracaju, Salvador e Natal).  E também foi  selecionado para a mostra Circular Festival Brasileiro de Filmes Infanto-Juvenis de Londres, no mês de outubro. E ainda, vamos ver o que vem pela frente.

– Durante as entrevistas que fiz, percebi que alguns profissionais preferem denominar o trabalho que fazem como “produção audiovisual”, em vez de “produção cinematográfica”. Você também prefere? O que poderia me falar sobre esses conceitos?

O termo audiovisual é o mais apropriado, reflete  a convergência tanto  da imagem, do som, como Tb representa as  a diversidade  deste setor que  é aglutinador de  linguagens, mas  tem muitas especificidades.  

– Poderia me passar sua filmografia? E o que mais gosta de destacar na sua carreira?

O  curta “Um vestido para Lia” aqui já bem comentado.  Fiz também  a direção do documentário “DJ do agreste”    que ganhou o prêmio de melhor filme pelo júri popular, na 9ª. Mostra Goiânia Curta. Mas eu DESTACO  a minha atuação na coordenação de produção do “Calabar”, premiado no DOC TV 2006, dirigido por  Hermano. Gostei  deste trabalho,  de todo o processo,  desde o planejamento,   a  produção. O set de filmagens, as  viagens, o lançamento. Foram momentos que  ficaram  na lembrança.  

– Quais os seus próximos projetos cinematográficos, poderia adiantar algo sobre eles?

– Eu breve estaremos filmando um documentário sobre bandas de pífanos em Alagoas que se chamará:  “Pifes e pifeiros”  já  aprovado pelo edital BNB Cultural.  Também estamos tentando  parcerias para o registro audiovisual  da memória cultural para gerar a visibilidade para   personagens  e modalidades da nossa cultura que arriscam se perder pela falta de registro. Há também roteiros prontos, de outras histórias com a personagem Lia. Mas são ideias que  precisam de recursos para a efetivação.  

– Busco na reportagem falar sobre a nova “safra” de filmes alagoanos. Desde o DOC TV estamos vendo um número cada vez maior de produções no estado. Por que você acha que isto está acontecendo? Quais as razões que levaram o cinema alagoano a se expandir nos últimos anos?

Uma conjunção de fatores. Os avanços das  tecnologias digitais junto aos  resultados da política cultural da  era Lula, Gil e Juca  que de forma acertada lançou vários editais. Aqui em  Alagoas é  visível  a revelação de talentos a partir do “DOC TV  e outros  editais do Minc. Bem importante também foi o  papel do  NPD Alagoas,   possibilitando  cursos e oficinas. Em seguida  tiveram os dois editais, no âmbito  estadual, e assim as  produções foram acontecendo.

– Como avalia a produção dos novos cineastas? E como enxerga os editais públicos lançados pelo governo estadual para incentivar essas produções? Os valores são suficientes para concretizar projetos?

Há uma nova safra de realizadores,  gente  nova e bem talentosa,  tudo   isto é muito bom. Mas  é necessário  que o  governo estadual, governos municipais  e empresas  percebam  esta vocação e que assumam as despesas. Não há milagres, há resultados  provenientes de investimentos e de muito trabalho. 

O governo do estado tem um edital, e  que bom que ele existe, mas o  recurso é  insuficiente. Em Alagoas temos paisagens exuberantes,  muitas histórias, temos  talentos, o que falta  é fomento.   

Para um artista alagoano vencer um edital nacional não é muito fácil.  A concorrência  é muito grande. O  que temos de incentivo do poder público ainda é  pouco, quase nulo, se comparado a outros estados.   

Uma   experiência positiva  que eu  destaco  é a participação da empresa Algás que  apoia a Ideário , apoia a Mostra Sururu da ABD&C, apoiou a SEDA, Semana do Audiovisual de Arapiraca. Outras  empresas precisam se espelhar  na forma como a Algás faz, pois patrocinar a cultura sempre traz muitas vantagens e  resultados tanto para a empresa, como para o artista, como para a sociedade.

O governo  local financia  filmes globais do sudeste e afirma que não tem mais recursos oara  financiar de forma mais consistente a produção audiovisual local e avançar mais em relação ao valor do edital. Um exemplo é o sucesso que o filme da Lia está tendo lá fora, isso   é muito bom para mim, para a equipe toda, mas é bom também para a imagem de  Alagoas,  e seria bem interessante dar continuidade a estas histórias. Mas com o valor do edital estadual não se faz um filme de ficção como o da Lia.  

– Fique à vontade, caso queira complementar este e-mail como algo que não foi questionado, mas que considera importante sobre o assunto.

Eu sou essencialmente da  literatura,  o que sei fazer melhor  é escrever. Devo confessar  que  gostei muito dos prêmios  do roteiro do filme UM VESTIDO PARA LIA,  pois  me ajudam  a continuar  acreditando  nas histórias que conto.

Mas eu  tenho um trânsito nos  dois mundos:  da literatura e do audiovisual, e  vejo as suas diferenças. Notadamente, a  literatura é uma atividade solitária, carrega mais subjetividade. O audiovisual  é uma atividade coletiva que para se realizar requer  equipe,  equipamentos.   

Sou  uma artista  com uma inquietude enorme, eu tenho muita energia, muita vontade de realização e de interações,   e acho que gosto de me  envolver com o audiovisual, por  ser uma atividade aglutinadora de linguagens e  favorecer interações constantes.  Mas  me reconheço como tendo  ainda  um monte de coisas para aprender e vivenciar no audiovisual.

 Mais dados REGINA BARBOSA:

escritora, autora de 08 livros infanto-juvenis além da série de livros Histórias de Lia”, é autora dos textos de livros com a personagem Zuleide, tais como  “A primeira vez que Zuleide viu o mar”. Também é autora do livro de poemas “Um outro um” e do livro “Como elaborar projetos culturais”. Também é designer e produtora cultural. Na área audiovisual  dirigiu o documentário “O DJ do agreste”, que foi premiado na  9ª  Mostra de Goiânia;  Coordenou a  produção dos filmes de Hermano Figueiredo  como “Calabar” e “Mirante Mercado”. Fundadora e membro do grupo de gestão da Ideário, Organização cultural que há dez anos desenvolve um importante trabalho no cenário cultural alagoano.

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